Pesquisar este blog

terça-feira, 30 de junho de 2009

A Nicarágua e a revolução de 1979

A Nicarágua e a revolução de 1979



Em 19 de julho de 1979 colunas na Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) tomavam as ruas e o poder na Nicarágua. Milícias populares armadas refletiam a esperança de que não apenas a ditadura sanguinária da família Somoza, no poder desde 1937, terminasse de vez. O povo nicaragüense queria a reforma agrária, a democracia, a ruptura com o controle imperialista dos EUA sobre o país. Aprofundar a revolução em direção ao socialismo, expulsar a burguesia que sempre se beneficiara da ditadura, era o único caminho para garantir as conquistas. O que impediu esse caminho?


As origens da Frente Sandinista

A FSLN foi fundada em 1961 sob o impacto da vitoriosa revolução cubana de 1959. Sua origem remonta a luta do líder antiimperialista nicaragüense César Augusto Sandino, assassinado em 21 de fevereiro de 1934 pelo então chefe da Guarda Nacional Somoza Garcia. Desde 1937 Somoza implantou uma ditadura, depois herdada por seu filho Anastácio. Sandino considerava corretamente a Guarda Uma força de ocupação a serviço dos EUA.

Depois de fracassos seguidos nas táticas de guerrilhas desde 1967, a FSLN estava em crise. Em outubro de 1975 dividiu-se em três tendências internas com orientações e táticas diferentes. A chamada tendência “terceirista” era majoritária e defendia a guerrilha urbana e a aliança com setores oposicionistas da burguesia. A “tendência proletária” defendia a tática foquista ou das guerrilhas inspirada em Cuba. Uma terceira tendência tentava seguir o modelo chinês da “guerra popular prolongada”. As três tendências não aceitavam a possibilidade de uma insurreição de massas abrir caminho direto para um regime socialista. Esse compromisso com a burguesia ficou claro as vésperas da vitória da revolução.

Em 1978 Anastácio Somoza mandou assassinar Joaquim Chamorro, diretor do jornal La Prensa e principal líder burguês contrário à ditadura. A burguesia nicaragüense com apoio dos EUA buscava uma saída sem Somoza para preservar o regime. O pacto que permitira ao clã Somoza dirigir o país como sua propriedade particular e garantir os interesses dos demais grandes proprietários estava rompido. A FSLN une-se em busca de uma saída comum com a burguesia liberal e é formada a Frente Patriótica Nacional.


As massas tomam as ruas

Longe do pacto entre a FSLN e a burguesia, as massas aderem em massa à greve geral convocada pela Oposição em 1978. Em 20 de fevereiro o bairro indígena de Masaya na cidade de Monimbu rebela-se e luta contra a Guarda Nacional durante oito dias. Era apenas o começo. No final de agosto nova insurreição em Matagalpa dura uma semana. Em setembro a FSLN lança uma ofensiva contra as principais cidades. O imperialismo busca desesperadamente negociar uma saída sem Somoza para tentar evitar que uma revolução de massas com o fim da ditadura.

Na páscoa de 1979 colunas sandinistas ocupam a cidade de Esteli. Em 3 de junho a cidade de Leon, a segunda do país, se rebela. A luta nas ruas se prolongará até 9 de julho, quando é declarada capital provisória. No dia 4 de julho uma Greve Geral Revolucionária é convocada pela FSLN. As tropas somozistas se refugiam nos quartéis e Somoza finalmente foge para Miami em 17 de julho de 1979. Dois dias depois se desintegra a Guarda Nacional e o novo governo revolucionário se instala.


Dividir a vitória com a burguesia?

A oposição burguesa estava articulada para evitar que a saída de Somoza abrisse uma insurreição de massas incontrolável. O compromisso da FSLN foi fundamental para bloquear o aprofundamento da revolução. Em maio de 1978 formara-se a Frente Ampla de Oposição (FAO) com a participação de sandinistas e do Partido Socialista Nicaragüense alinhado com Moscou. A tendência terceirista liderada por Daniel Ortega dá fôlego ao chamado Grupo dos Doze, do qual participam empresários, a Igreja e intelectuais dispostos a intermediar um governo de transição sob respaldo do imperialismo e com apoio da FSLN. As três tendências da FSLN aderem ao pacto com a burguesia.

Antes da insurreição das massas o acordo é selado em meados de junho de 1979 na Costa Rica. É formada uma Junta de Governo de Reconstrução Nacional com cinco membros: 2 sandinistas, Violeta Chamorro, Roberto e Sérgio Ramirez do Grupo dos Doze com o objetivo de buscar a cooperação dos EUA para afastar Somoza.

O programa da Junta na prática negava a luta das massas que enfrentavam a Guarda Nacional e a burguesia. O ponto 1.12 do programa da Junta estabelecia, por exemplo, que o novo exército teria a participação de “soldados honestos e patrióticos” da Guarda Nacional. Mas quando a FSLN entrou em Manágua já não existia mais a Guarda. O ponto 2.13 do programa garantia a defesa da propriedade privada e o ponto 2.10 limitava a reforma agrária às terras de Somoza, àquelas adquiridas por fraude ou abandonadas. Sobre a dívida externa que esmagava a Nicarágua, o programa afirmava “propor honrar todos os compromissos externos”, ou 1,3 bilhão de dólares que significavam metade do Produto Interno Bruto do país.

Porém a revolução despertou um enorme entusiasmo das massas na América Latina e um movimento de solidariedade internacional que na prática inviabilizavam os compromissos inicialmente assumidos pela cúpula da FSLN. Constituiu-se de fato um governo operário–camponês baseado no armamento generalizado das massas para defender a revolução, a soberania nacional, a reforma agrária. Essa possibilidade de radicalização é que desencadeou a ofensiva imperialista. A incapacidade da FSLN em destruir rapidamente a revolução, ou seja, desarmar as massas revolucionárias, ameaçava os interesses da burguesia nicaragüense e do imperialismo dos EUA.


O cerco da revolução

O cerco internacional à revolução foi brutal. Após a vitória esmagadora dos sandinistas nas eleições livres de 1984 a ação contra-revolucionária torna-se implacável. Bloqueio econômico e diplomático liderado pelos EUA, financiamento dos “contras”, grupos mercenários armados da antiga Guarda Nacional, que atacavam a Nicarágua desde Honduras e Costa Rica. A sabotagem econômica da burguesia, a propaganda contra-revolucionária da Igreja Católica, o papel da União Soviética de lavar as mãos sufocavam a Nicarágua.

Por outro lado, a FSLN recusava-se a aprofundar a revolução e expropriar a burguesia, que seguiu ativa dentro do próprio país. A reforma agrária, por exemplo, só começou de fato em 1985. A opção por uma ”economia mista” de respeito às grandes propriedades não garantiu o apoio da burguesia. A nova constituição de 1986 reforçou a perspectiva de encontrar uma via de compromissos com o imperialismo, o que significaria cedo ou tarde um choque com as massas que lutaram pela revolução. Isso na tardou. Em fevereiro de 1988 a FSLN implanta um plano de ajuste econômico contra as massas: arrocho salarial, demissões e corte de investimentos. Essa ruptura com os marcos da revolução é que preparava o terreno para a vitória da candidata do imperialismo, Violeta Chamorro, em 1990. Daniel Ortega, hoje novamente presidente da Nicarágua, desarticulou e entregou a vitória das massas novamente nas mãos da burguesia.


A campanha de solidariedade

O jornal O Trabalho combateu ativamente pela solidariedade ativa à Revolução nicaragüense. Uma das iniciativas mais importantes no Brasil foi a organização da Conferência de Solidariedade à Nicarágua e pela Paz na América Central, presidida pelo prof. Alfredo Bosi, reconhecido intelectual da USP, e que foi realizada no dia 20 de julho de 1985 em São Paulo. A resolução condenou a intervenção dos EUA e se dirigiu ao governo brasileiro para tomar medidas de apoio ao governo nicaragüense. Vários comitês de solidariedade foram constituídos e estiveram presentes. Antes disso ocorreram a Conferência Latino-americana na Colômbia e a Conferência européia de dezembro de 1983 contra a intervenção dos EUA.

Miguel Alandia

Nenhum comentário: