Pesquisar este blog

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Espanha paga visita do Papa, acontecerá o mesmo no Brasil?

Em pleno mes de agosto dez mil pessoas desfilaram no centro de Madri para recusar o financianento público para a visita do papa Joseph Ratzinger, o chefe da igreja católica. Tratava-se de uma atividade particular dos católicos ligada a uma jornada mundial da juventude católica. Os espanhois foram chamados a se manifestar a partir de um manifesto de mais de 140 organizações políticas e sociais com a palavra de ordem “Nenhum euro dos meus impostos para o papa” e “Por um estado laico”, exigindo respeito a um dos princípios elementares da democracia que é a separação entre Igreja e Estado, como diz o manifesto:
“Nenhum euro dos meus impostos para o papa”
“O que é contrário a um Estado democrático que se diz não confessional é misturar os assuntos do Estado e os assuntos religiosos, os interesses gerais e os interesses privados, as instituições que representam todos os cidadãos e as manifestações que que são apenas de uma parte, neste caso, dos que partilham certas convicções religiosas bem determinadas. (…) Nós chamamos todos os cidadãos que, independentemente de suas convicções pessoais, reivindicam um espaço de igualdade de direitos, a organizar manifestações pela defesa da democracia e da laicidade do Estado (…). Não à visita do papa financiada pelo dinheiro de todos. Separação dos poderes civis e religiosos. Defesa dos direitos democráticos frente à ingerência confessional.” (extratos do manifesto público)
A mobilização contou com apoio de diversos movimentos como organizações republicanas e ateias, partidos como o PSOE (partido socialista operário espanmhol) e o PCE (partido comunista espanhol). A manifestação superou obstáculos e provocações que tentavam impedí-la. Inicialmente proibida pelo governo Zapatero, que cedia às pressões da hierarquia da Igreja. Durante a manifestação seu percurso foi interrompido por partidários de Ratzinger, financiados por recursos públicos e protegidos pela polícia.


Um dos partidos presentes (o POSI) lançou um manifesto público:
“Não ao financiamento público à visita do Papa!
Este evento aprofunda os privilégios que a Constituição espanhola concede à igreja católica frente à grande maioria , fazendo destes cidadãos de segunda classe frente aos católicos. Esta falta de vergonha permite financiar uma viajem particular enquanto se cortam as pensões ou se rebaixa o salário dos trabalhadores públicos. Isto é possível porque a Constituição e a Concordata com a Igreja permitem. (...)
Quando as revoluções na Tunísia e no Egito ou as mobilizações que estão ocorrendo na Europa avançam, e as novas gerações se dispõem a lutar para derrubar este sistema capitalista apodrecido, o chefe da igreja católica, representando uma instituição que convive com as mais reacionárias, viaja à Espanha para transmitir a “doutrina social da Igreja” que historicamente defende, e que em nossos dias se traduz em aceitar, em nome da divisão de sacrifícios, os planos de ajuda aos banqueiros e especuladores, e que prevê para a juventude o desemprego, a falta de moradia e, enfim, nenhuna esperança de futuro. Precisamente a mesma política que propõe a União Europeia e o FMI.
O POSI luta por uma República, por uma Assembleia Constituiente que não só imponha a separação real da Igreja no ensino e no âmbito público, senão que se construa um verdadeiro estado laico sem injerências religiosas de ninhum tipo. Uma verdadeira democracia sem privilégios para ninguém.”

A igreja também prepara uma visita do papa ao Brasil em 2013. Os objetivos da igreja serão os mesmos. A sepação entre religião e estado, embora esteja também na constituição do Brasil, também não é aqui respeitada. Muitos órgãos públicos pelo país como escolas, hospitais e tribunais, ostentam crucifixos e bíblias contrariando a sepação entre religião e estado. A convicção religiosa é um assunto particular e não público. A defesa do estado laico é a defesa da democracia aqui também no Brasil. A visita do papa em 2013 colocará novamente este tema na pauta.


domingo, 28 de agosto de 2011

Entrevista ao Opera Mundi

28/08/2011 - 09:41 | Daniella Cambaúva | São Paulo
"É preciso levar a luta de classe, e não a luta étnica, para a política boliviana", diz historiador

Compartilhe

Em 2006, Evo Morales deixava de ser um militante cocaleiro para se tornar o primeiro presidente indígena da Bolívia. Eleito com 53,7% dos votos – a maior porcentagem obtida desde a redemocratização, em 1982 – assumiu o cargo num período de instabilidade política: o país havia tido cinco presidentes em quatro anos. Ao final de seu primeiro mandato, Morales conseguiu, após longos embates com a oposição, aprovar uma nova Constituição, que prometeu criar um Estado plurinacional, garantir direitos inéditos aos povos originários e afastar empresas privadas do controle dos recursos naturais. Para o historiador Everaldo de Oliveira Andrade, tais conquistas ainda não são suficientes: "É preciso levar a luta de classe, e não a luta étnica" para o centro da política boliviana.

Em entrevista ao Opera Mundi, o pesquisador da USP (Universidade de São Paulo), doutor em história boliviana, afirma que é preciso ter cautela, pois apenas o indigenismo, afastado de projetos políticos e econômicos, pode fragmentar os movimentos sociais. Everaldo de Oliveira Andrade lança nesta quarta-feira (24/08) seu livro Bolívia: Democracia e Revolução - A Comuna de La Paz (Editora Alameda), na biblioteca do Memorial da América Latina, em São Paulo, das 19h às 21h30.

A Bolívia passa atualmente por uma revolução?
Evo Morales é produto dos movimentos sociais que, nos anos 1980, começaram a se chocar com os planos neoliberais. Foi um movimento que cresceu ao mesmo tempo em que o movimento operário tradicional enfraquecia, o núcleo da central operária boliviana e os sindicatos mineiros. Ele surgiu de um movimento de resistência aos planos neoliberais, contra o FMI (Fundo Monetário Internacional), que se condensou com os movimentos populares que existem, principalmente dos cocaleiros, como o do próprio Evo Morales. E eles vão lutar contra as privatizações, dando origem, então, à Guerra da Água (2000) e à Guerra do Gás (2003). O governo Evo Morales é produto de uma situação revolucionária que não terminou ainda e não se estabilizou. No entanto, o destino desta revolução não dá para prever.

Leia mais:
Bolívia: Morales reitera defesa por plantio legal da folha de coca
Indígenas só aceitam negociar fim de protestos com Evo Morales
Bolívia consegue reduzir número de pessoas na pobreza extrema, diz FMI
A favor da coca e contra o narcotráfico, Bolívia abandona convenção da ONU sobre entorpecentes
ONU destaca avanços na igualdade de gêneros na América Latina

Eu penso que o movimento operário possui uma tradição para ir além do que o Evo Morales está propondo. O discurso dele não é de uma nação socialista, de propor controle dos grandes meios de produção da burguesia boliviana. É um governo nacionalista, anti-imperialista, popular, mas talvez seja difícil afirmar que é um governo revolucionário. Pode até, sob pressão popular, ir além. Mas depende da pressão das massas para que o horizonte político se abra. O problema é que o Estado plurinacional dissolve as ligações históricas dos trabalhadores em muitas nações, fragmenta os próprios trabalhadores em unidades diferentes.

Como se relacionam as reivindicações indígenas e trabalhistas na Bolívia hoje? São a mesma reivindicação ou são duas pautas distintas? Pode-se dizer que elas se misturam?
O governo Evo nunca foi um governo indigenista. O indigenismo esteve no centro da discussão política na Bolívia nos anos 1970, o katharismo defendia o indigenismo como recorte da luta política. Então era etnia que dava identidade política à luta: ser índio era ser camponês, camponês tinha que ser índio. E não era possível um camponês lutar pela terra envolvido com reivindicações dos brancos. Essa tendência se enfraqueceu, tanto que as reivindicações do Evo Morales dos anos 1990 estão baseadas na ideia da nação boliviana, das reivindicações econômicas, políticas, do conjunto dos bolivianos. Ele não usa como referência as questões dos aimarás, dos quéchuas. Não é esse o foco da luta dele.

O indigenismo nunca foi uma alternativa do ponto de vista político. Uma nação aimará, por exemplo, iria contra uma história de duzentos anos. Existem os aimarás, os quéchuas, mas existe a Bolívia como nação, constituída historicamente. Há uma tradição histórica, que tem significado para cada boliviano, independentemente de sua etnia. Quando se reivindica nacionalidade para cada uma dessas trinta e seis etnias, para criar vários Estados-nacionais autônomos, você está enfraquecendo a própria ideia de nação boliviana e fragilizando o movimento popular, que o próprio Evo Morales dirigiu.

Arquivo pessoal

O professor Everaldo Andrade

Essa postura de fortalecer reivindicações baseadas apenas na ideia de nação indígena fragiliza o movimento popular e acaba fortalecendo as tendências separatistas reacionárias conservadoras. Isso ocorre no Peru também, onde existe uma discussão sobre a regionalização do país. E é uma discussão que o Banco Mundial incentiva, porque quanto mais fragmentada a nação, mais fácil é a circulação de capital. As multinacionais dominam mais facilmente os sindicatos e também rebatem os direitos e demandas dos trabalhadores. A riqueza da nação permite que esse movimento possa ter mais força.

É preciso colocar a questão da luta de classe, e não da luta étnica no centro da discussão. O inimigo dele [do presidente] não é o branco ou o mestiço, é a grande burguesia imperialista que controla o país. Independe da cor, burguesia não tem cor. A luta étnica e indigenista perde o alvo. Esse discurso de identidade fragiliza a luta.

Como foi o processo de elaboração do seu último livro, Bolívia: Democracia e Revolução, a Comuna de La Paz?
Foi um esforço de vários anos, trabalhei com várias fontes inéditas, consulta a jornais, documentos, entrevista com várias pessoas que participaram [da Comuna de La Paz e de outras mobilizações populares]. É um tema que reconstrói um momento radical da história latino-americana.

Não é um livro voltado para quem é de esquerda, para quem é direita. É para qualquer pessoa que se interesse por história da América Latina. De alguma maneira faz diálogo não só com a história contemporânea da Bolívia, mas com a história contemporânea da América Latina porque ele capta projetos do futuro que, em minha opinião, são viáveis e necessários. Como a ideia de que o povo pode se organizar a partir de sua própria experiência. E essa experiência está colocada em cada página deste livro. Pode ajudar muita gente a refletir sobre a atualidade.

Leia mais:
Povos indígenas vêm ganhando mais participação na América Latina, dizem especialistas
Indígenas no Peru poderão opinar sobre projetos de lei
Etnias completam segundo dia de manifestação contra construção de estrada
Procuradoria da Bolívia pede 25 anos de prisão a ex-ministros de Sanchez de Lozada
Aimarás bolivianos comemoram chegada do ano 5519 com Morales

Há também uma questão importante, que é: não existe história mais e menos importante. Pobreza e tamanho não são critérios para se estudar um tema. O critério é como essa experiência pode ser revista e enriquecer a realidade de outros povos. A Bolívia tem muito a ensinar com sua experiência.

A Comuna de La Paz é um assunto complexo, tratado detalhadamente no livro. O que pode ser dito, em síntese, de seu processo de formação?
Acabei de participar de um debate sobre a Comuna de Paris, que ocorreu em 1871. Por capricho da história, talvez, cem anos depois, surgiu a constituição de um parlamento popular na Bolívia, que em minha opinião, tem o mesmo fundamento histórico. A ideia de que o povo pode constituir uma nova forma de governo democrático, baseado na soberania popular, na eleição direta, baseado na revogação do mandato dos parlamentares que não cumpram seus mandatos imediatamente, na discussão e na aplicação das reivindicações do povo. É uma história que percorre mais de cem anos, a ideia de que o povo pode construir seus próprios meios de poder.

E no caso da Bolívia, a Revolução de 1952 mostrou o surgimento de uma democracia sindical e popular. Quando surgiu a COB (Central Operária Boliviana), que era mais do que uma central sindical, já surgia um grande parlamento popular. Lá se discutiam o problema dos estudantes, todas as demandas populares, e esse parlamento iria ressurgir em 1971, quando ocorre uma crise política entre os militares, os setores mais à direita e os mais nacionalistas do exército. Há uma tentativa de golpe, que não dá certo. Fica um impasse, uma brecha. Nessa brecha, o movimento operário convoca uma greve geral e para o país.

Divulgação


O general Juan José Torres assume o poder com apoio do movimento operário popular. Essa é a origem das discussões da Assembleia Popular. É como você construir um parlamento com representantes dos sindicatos, a participação de operários, estudantes, camponeses e tudo mais, e criar discussões que dizem respeito aos bolivianos. A Comuna de La Paz resgata as ideias da Comuna de Paris.

Surge então uma luta concreta contra a ditadura. A Assembleia conseguiu funcionar alguns meses, eleger vários delegados, teve várias sessões, discutiu várias propostas, como nacionalização das empresas, liberdade de cultura e de arte, criação de tribunais de justiça popular, dissolução do exército nacional. São várias propostas que a Comuna discute. Na verdade, discute a construção de um novo país, um país socialista, e é um projeto que veio de baixo.

É possível afirmar que a Revolução Boliviana de 1952 foi bem sucedida?
Houve limitações do ponto de vista da luta socialista. Foi uma revolução nacional, anti-imperalista, que tinha também uma perspectiva socialista que não avançou. Se você analisar as consequências concretas da revolução, foi um salto histórico no movimento democrático da Bolívia. Ela implantou uma reforma agrária, rompeu com o trabalho indígena servil, nacionalizou a grande mineração de estanho, incorporou o controle operário na mineração, a participação do sindicato nas empresas mineradoras, deu voto ao índio, o sufrágio universal. Ela reconheceu a existência da organização dos sindicatos, a COB.

Leia mais:
Deputados nos EUA eliminam verbas para países latino-americanos por razões ideológicas
Bolívia consegue reduzir número de pessoas na pobreza extrema, diz FMI
Governo boliviano exigirá que funcionários públicos dominem línguas indígenas
Esteban Volkov, neto de Trotsky, rival de Stalin

Foram conquistas da revolução, que tiveram outros destinos depois, mas a revolução foi um movimento vitorioso. Já os projetos socialistas não se concretizaram. Os trotskistas, por exemplo, tiveram participação importante na organização do movimento sindical. Sem eles não teria surgido a COB. Mas, para transformar uma revolução de massas, anti-imperialista, em uma revolução socialista, era preciso de algumas condições históricas que não estavam dadas na Bolívia naquele momento. Por exemplo, um poderoso partido operário. Acho que foi isso que travou um pouco a revolução socialista.

A histórica exclusão dos indígenas contribuiu para esse desfecho?
Sim. A revolução se faz capaz de liderar uma maioria nacional. O grosso da população boliviana era de indígenas, analfabetos, que faziam trabalhos servis. Estavam isolados. Era uma luta contra o fazendeiro, contra o poder oligárquico local, uma luta local, não existia um projeto nacional. Para que o movimento operário fosse vitorioso, precisaria ganhar adesão do movimento camponês.

O POR, um partido "obrero", chegou a organizar ocupação de terras. Um salto enorme para organizações camponesas, que estavam tradicionalmente relacionadas a comunidades localizadas. O problema é que existia na revolução uma força apaziguadora e reformista que é o movimento nacionalista do MNR, que queria bloquear qualquer trajeto que levasse a uma radicalização.

Divulgação

Delegações no plenário de debates, em La Paz

Portanto, existiam duas forças que se chocavam na revolução: uma força radical, revolucionária, socialista do POR, e uma força reformista, nacionalista, o MNR, que acabou por barrar a radicalização, controlando o movimento camponês. O movimento camponês era mais disperso, menos organizado, menos politizado. Isso não significava que ele não tivesse capacidade. Mas ele dependia mais do movimento operário.

Qual foi a influência dos Estados Unidos nos golpes que aconteceram na Bolívia pós 1964?
O período pós-revolução cubana, 1959, foi de reorientação da política imperialista dos Estados Unidos para a América latina. Há duas vertentes distintas para esta atuação. Os EUA criam tentativas de amortecer os choques sociais, com políticas paliativas para impedir que incendiassem a América Latina com lutas revolucionárias. De outro lado, houve muita política de treinamento das forças armadas. Muitos policiais e militares foram treinados e doutrinados nas academias de segurança dos EUA. Isso prepara o ambiente que vai desembocar numa sucessão de golpes militares.

Essa americanização da polícia também é parte de uma articulação para impedir que aflore essa luta revolucionária que acontecia na América Latina inspirada na revolução cubana, que catalisou muitos jovens.

No caso da Bolívia, o golpe de novembro 1964 está diretamente ligado com esta política. Os militares que derrubam o governo do MNR têm como objetivo reprimir o movimento operário e controlar as aspirações nacionalistas e fazer uma aproximação concreta com a política dos EUA. E houve dentro do exército uma discussão daquelas teses nacionalistas da Revolução para fazer uma abertura de mercado.

O interessante do caso dos militares bolivianos é que esse golpe, ao contrário do golpe aqui no Brasil, que acabou com os militares nacionalistas e de esquerda, é que ele não conseguiu fazer isso. Tem um setor anti-imperialista, nacionalista, que aceita dialogar com a esquerda, é um setor que vai de alguma maneira dialogar com o movimento operário boliviano e dar origem à Comuna de La Paz.

Outra estratégia dos EUA foi rearticular o exército nacional, recriar o exército boliviano. Essa é uma questão essencial. A revolução tinha desmanchado o exército. O país estava nas mãos de milícias camponesas operárias, o MNR não tinha controle de fato do Estado. Como fazer isso? A maneira foi reabrir a escola militar com a ideologia de que era possível recriar um novo exército, um exército agora popular e nacional.
Siga o Opera Mundi no Twitter
Conheça nossa página no Facebook