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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Onde está o índio boliviano?

Onde está o índio boliviano?

Na Bolívia não funcionaria a metáfora de que o gigante adormecido despertou para lutar. O gigantismo aqui é da quase inesgotável e permanente energia de luta das massas populares. Sim, há uma nova efervescência política na Bolívia, que borbulha hoje na polêmica sobre a construção de uma estrada cortando uma reserva e território indígena entre os departamentos de Beni e Cochabamba. E por baixo da borbulha há outros níveis de conflitos e impasses do atual governo de Evo Morales.
O catalizador que parece concentrar as tensões é a oposição das etnias chimán, yucararé e mojeño, da região amazônica, à construção da estrada de 306 quilômetros que ligaria as cidades de San Ignacio dos Moxos no departamento do Beni, a Villa Tunari na região de Cochabamba. O conflito ganhou grande dimensão quando uma marcha de protesto destas etnias, iniciada dia 15 de agosto rumo a capital La Paz, após ser bloqueada várias vezes por adversários, foi brutalmente reprimida pela polícia no dia 29 de agosto. Mulheres e crianças foram bombardeadas com gás lacrimogênio e o líder do movimento, Adolfo Chávez, foi algemado e virado de cara para o chão. O movimento retomou a marcha e exige de Evo Morales, entre outras reivindicações, uma mudança do traçado para preservar o território indígena e parque nacional Isiboro Securé.


O conflito envolve ainda interesses de setores brasileiros como a construtora OAS, responsável pela obra, e o BNDES que financia 80% do empreendimento com a contrapartida de que 85% dos custos da construção sejam com produtos e serviços brasileiros. A estrada também teria interesse na ampliação dos laços econômicos das economias do Brasil e Bolívia. Lula recentemente proferiu palestras na cidade de Santa Cruz de la Sierra, pediu a Evo para construir a unidade com empresários e movimentos populares e indígenas. Evo parece ter dado um passo a mais a frente da encruzilhada de seu governo ao tentar seguir o conselho torto de Lula.
Abraçar plenamente os interesses dos empresários bolivianos e brasileiros, ou de qualquer latitude, colocará cada vez mais o governo boliviano em rota de choque com a maioria popular que o elegeu. Esse caminho que sinaliza os choques sociais com sua base popular, muita mais que indígena, não é recente. O vice de Evo, o ex-guerrilheiro Álvaro Garcia Linera, chegou a falar no passado recente em “capitalismo andino” para tentar justificar as pontes impossíveis entre o fortalecimento da economia de mercado e o atendimento das necessidades e reivindicações mais urgentes do povo boliviano.
E a tão celebrada Nova Constituição Política do Estado Boliviano, aprovada em janeiro de 2009, foi exaustivamente negociada com os setores derrotados, golpistas, empresários e separatistas, para afinal manter o núcleo liberal do Estado com algum verniz desenvolvimentista. Além disso, foi celebrada a formulação de um Estado plurinacional, intercultural, descentralizado e com autonomias regionais. Essa suposta conquista do estado plurinacional, longe de ser um cosmético para a manutenção da antigas estruturas do liberalismo capitalista, fortalece o regionalismo e a fragmentação social dos setores populares e do tradicional e combativo movimento operário do país. E, dessa forma, favorece a antiga Bolívia derrotada com as revoltas anti-privatização que levaram Evo Morales ao poder. O choque entre etnias e grupos da própria base social de Evo é também parte desta dinâmica em desenvolvimento de fragmentação étnica, regionalista e autonomista que ameaça destruir a grande conquista política do seu governo, a unidade politica em torno da soberania nacional traduzida nas lutas contra as privatizações e o separatismo regional.
Os índios mobilizados não provam que há uma Bolívia mais dividida após Evo. Eles ainda querem dialogar e exigir do presidente que elegeram que os atenda. Mas os choques crescem justamente com aqueles que poderiam apoiar Morales. A adesão aos planos de ajuste econômico para salvar os grandes negócios – que significa ataque ou recusa em atender direitos sociais das amplas maioria populares – torna-se cada vez mais a unanimidade de governos de todas as colorações, mesmo aqueles supostamente socialistas ou de esquerda. Em um mundo de crise cada dia mais profunda do capitalismo não há nenhum espaço para o meio-termo. Para salvar os capitalistas é preciso atacar os trabalhadores, indígenas ou não. Em janeiro o aumento de gasolina para tentar responder a crise econômica colocou o governo boliviano em choque com a população e ele teve que recuar. Agora a COB chama a greve para garantir aumentos salariais para professores e outras categorias. Os indígenas continuam marchando rumo a La Paz e devem chegar no próximo dia 15 de outubro. Pode-se discutir a reivindicação central do movimento, as responsabilidades diretas na repressão policial, ou a crise ministerial no governo. Mas uma questão é certa, não é um problema de índios bolivianos. Existe uma nação, uma maioria nacional popular, que lutou e elegeu um presidente para deter a rapina do capitalismo e a destruição completa do seu país. Essa maioria está se fragmentando. A água está começando a ferver e borbulhar de novo.