Tunísia: é a revolução!
Policiais armados atiram sobre a multidão, manifestações aumentam e se reforçam a cada dia... são imagens que todos trabalhadores e povos do mundo viram. Viram e ouviram o povo tunisiano ocupar as ruas, enfrentar a repressão, sofrer violências para dizer: “Abaixo o regime!”. Imagens de um povo que se levanta.
A 4ª Internacional saúda o movimento da juventude, da classe operária e de todo o povo tunisiano que, durante várias semanas – apesar da repressão, da matança e das prisões – levou à expulsão do ditador Ben Ali: foi com a palavra de ordem de “Água, pão, Ben Ali não!” que o povo tunisiano se levantou contra a miséria, a pobreza, a precariedade e a opressão impostas pela ditadura de Ben Ali. Por causa desse levante sofreu uma feroz repressão.
O povo tunisiano reconquistou o seu direito à palavra neste movimento que ligou reivindicações sociais, operárias, democráticas e nacionais. A juventude da Tunísia, ao procurar as estruturas da UGTT (União Geral Tunisiana dos Trabalhadores) para a organização do movimento, abriu a via aos trabalhadores e a toda a população.
A IVa. Internacional saúda a memória das dezenas de tunisianos que morreram para que a revolução vivesse.
Para os trabalhadores de todo o mundo, as imagens da revolução tunisiana relembraram imediatamente as de revoluções proletárias anteriores - a revolução russa de 1917, a da Espanha em 1936, a revolução portuguesa de 1917 - com a mobilização das jovens gerações e dos trabalhadores com os seus sindicatos, os comitês que se formam, e as cenas de confraternização com os soldados. Essas imagens são as imagens da revolução, as imagens da luta de classes que é internacional.
O povo organiza-se
Para se proteger dos esquadrões da morte do regime de Ben Ali, os jovens e os trabalhadores – com os seus sindicatos da UGTT, constituíram comitês de defesa, nos bairros e nas cidades.
Eles fizeram-no sòzinhos, contra todas as forças internacionais coligadas por trás de Ben Ali.
Os comitês, constituídos para a população se defender, tomam nas suas mãos a gestão das tarefas imediatas, a organização da vida quotidiana. Eles reúnem-se nas sedes da UGTT e levantam-se contra as instituições de um regime inteiramente construído para preservar uma pequena minoria de corruptos a serviço dos imperialismos. Esses comitês são uma das formas mais avançadas da democracia, nas quais, no meio da ebulição em curso, os tunisianos discutem para decidir livre e soberanamente, sobre o seu próprio futuro, isto é, como defender a revolução.
Estas aspirações expressam-se por todo o país. O “comitê regional de Kasserin para a proteção da revolução” afirma, numa Declaração: “Recordemos que os inimigos de qualquer revolução estão no interior e no exterior. Eles tentam, pisando o sangue de nossos mártires, confiscar a revolução do nosso povo, fabricando um novo regime – a partir da aliança de todas as forças do antigo regime – para se apropriarem de tudo o que o nosso povo produz, e continuarem a servir ao imperialismo, ao sionismo e à reação árabe.”
No seu documento, esse comitê define assim as suas tarefas: “Dissolver o partido que está no Governo, bem como todas as suas estruturas e as suas milícias, congelar os seus bens e restituir ao povo tudo o que lhe foi roubado”. Ele faz um apelo à formação de “um Governo nacional de salvação pública” que “deve promover a eleição de uma Assembléia Constituinte para a adoção de um novo Destour (Constituição) que rompa com o antigo regime.”
Como é dito no apelo desse comitê, a revolução é ameaçada pelas forças exteriores do imperialismo, mas também pelos seus aliados na Tunísia, que procuram reconstruir o regime mantendo no governo os chefes do RCD (Reagrupamento Constitucional Democrático, o partido-regime de Ben Ali), como o atual Primeiro-ministro Ganuchi – que já o era no Governo de Ben Ali –, antigo Diretor de Programas no Banco Mundial e organizador das privatizações na Tunísia.
A classe operária utilizou a sua organização histórica (a UGTT), dando-lhe um lugar de destaque no cenário político tunisiano, na continuidade da tradição do combate dessa organização fundada por Farfaht Hached, que foi assassinado em 1952. Trata-se da continuidade com a tradição da UGTT que, no seu Congresso de 1955, se pronunciou pela nacionalização das propriedades coloniais e pela reforma agrária.
A revolução começou na Tunísia
Sim, é uma revolução que começou na Tunísia. Não se trata apenas, como escrevem órgãos da comunicação ocidentais, de uma “revolução democrática”. Trata-se de uma revolução em defesa da soberania nacional, em defesa dos direitos da juventude, dos trabalhadores e da população trabalhadora contra uma pequena minoria corrupta, às ordens do imperialismo (particularmente francês e dos EUA), através dos acordos de associação com a União Europeia e os planos do FMI, os quais colocavam em questão a soberania nacional da Tunísia que se emancipara do colonialismo, submetendo os trabalhadores tunisianos à super-exploração.
A mobilização do povo tunisiano exige a expropriação da minoria corrupta – cujo chefe era Ben Ali – e do seu “partido” RCD, verdadeira gangrena na sociedade tunisiana. Trata-se de uma revolução operária que se ergue contra o capital e o sistema de exploração baseado na propriedade privada dos meios de produção.
Com efeito, o regime dirigido por Ben Ali serviu fielmente os interesses das grandes potências ao privatizar, desregulamentar, entregar as riquezas nacionais, e ao abrir a via para transformar a Tunísia numa Zona Franca, lançando a juventude, os trabalhadores, os pequenos camponeses e toda a população na precariedade absoluta, por conta das multinacionais que fechavam as suas fábricas na Europa ou noutros lugares, relocalizando-as na Tunísia.
É por essa razão que os imperialistas de todos os matizes políticos – particularmente o governo francês e o dos EUA – apoiaram, durante 23 anos, o regime de Ben Ali. Eles sempre apresentaram a Tunísia como “modelo” para os chamados países “emergentes”. Eles ousaram mesmo, em várias ocasiões, destacar os méritos de uma “democratização em marcha”, e isso quando o povo tunisiano vivia debaixo da bota das milícias policiais da ditadura de Ben Ali.
Os imperialismos francês e dos EUA permaneceram até o último momento nesta posição, para, após a queda de Ben Ali, se precipitarem para ajudar a reconstruir o regime. A queda de Ben Ali, fruto da
mobilização do povo, é, portanto, uma derrota para as potências imperialistas.
É uma vergonha para a Internacional Socialista, que esperou até ao último momento, 17 de Janeiro de 2011 – três dias após a fuga de Ben Ali – para expulsar o RCD, quando este era membro dela desde 1989! É uma vergonha para o Diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, que, em 2008, em visita à Tunísia, ousou dizer que este país era “o melhor modelo a ser seguido”!
É uma vergonha também para outras forças ditas de esquerda ou de extrema-esquerda que, na França, numa declaração comum, chamam a União Européia “a apoiar uma verdadeira transição democrática”. Elas ousam dirigir-se aos que foram os instigadores de Ben Ali para esmagar o povo tunisiano a, agora, virem em sua “ajuda”!
A IVa. Internacional afirma: a única palavra de ordem é “Governo francês, imperialismo dos EUA, União Européia e FMI: tirem as mãos da Tunísia! É o povo tunisino que deve decidir sobre o seu próprio destino”.
Atualmente, todas as forças e governos das grandes potências chamam a essa pretensa “transição democrática”.
De que transição democrática se trata? Face ao governo de união nacional que se constituiu com a aprovação das grandes potências, a juventude e os trabalhadores da Tunísia manifestaram-se dizendo: “Água, pão, RCD não!”, porque todas as riquezas da Tunísia pertencem ao povo. Eles exigem, nas manifestações, a dissolução do RCD. Quem deve decidir o futuro da Tunísia, senão o próprio povo tunisino?
Dar a palavra ao povo tunisiano
Os jovens, os trabalhadores e a população querem trabalho, viver do seu trabalho. Eles não querem que a riqueza da nação seja pilhada pelas multinacionais estrangeiras e seus agentes na Tunísia, alimentando assim um regime corrompido. Eles querem liquidar todas as instituições desse regime. Eles organizam-se nos comitês para – precisamente, contra esse regime corrompido – poder tomar em mãos os seus próprios assuntos e decidir por si próprios.
É por isso que procuram coordenar esses comitês. Eles voltam-se, nesse mesmo movimento, para os sindicatos da UGTT, considerando que estes devem expressar as suas aspirações.
É assim que, após a formação do governo de união nacional, a Comissão Administrativa nacional da UGTT declarou, na sua Resolução de 18 de janeiro: “Considerando que o governo de coligação não
corresponde às nossas ideias e exigências, nem tampouco à aspiração do povo e dos trabalhadores em todas as suas componentes, (a UGTT) decide a retirada dos nossos representantes do governo, a renúncia de nossos sindicalistas eleitos para a Assembléia Nacional, a Assembléia do Conselho e dos Conselhos Municipais, e a suspensão da participação da UGTT no Conselho Econômico e Social.”
A Comissão Administrativa nacional da UGTT exige, na mesma Resolução: “Dissolução do partido RCD (...), recusar qualquer intervenção estrangeira nos assuntos internos de nosso povo, pois ele derrubou um presidente que o reprimia; logo, o povo deve decidir sobre o seu próprio futuro, sem ingerência estrangeira.” A central exige, igualmente, a “nacionalização” dos bens de Ben Ali, o que equivale à tomada de controle pela República tunisiana de uma ampla parcela da sua economia.
Nesta via, a UGTT apela à organização de “uma Assembléia Constituinte, através de eleições livres e democráticas que reflitam a vontade do povo.”
Esta questão formulada pela central sindical é reencontrada em todas as discussões que ocorrem nos comitês, nos bairros e nas empresas. Numerosos testemunhos dessas discussões demonstram que os tunisianos e tunisianas procuram estabelecer o destino do seu próprio país. A democracia, dizem eles, é a constituição de um governo que aplique uma política para todo o povo tunisiano. A democracia é materializada nos direitos dos trabalhadores. A democracia é o respeito pela laicidade e pelos direitos das mulheres. A democracia significa não aceitar que os antigos dirigentes do regime de Ben Ali permaneçam no poder. A democracia é não aceitar o quadro constitucional atual. A democracia é a liberdade de expressar a sua opinião. A democracia é não permitir que a revolução seja confiscada. É um governo eleito por nós e controlado por nós.
Em 19 de Janeiro, na cidade de Sfax, ocorreu uma greve geral convocada pela UGTT, exigindo a dissolução do RCD e o confisco dos bens da minoria dirigente corrompida. Em 20 de Janeiro de 2011, a Direção Nacional da UGTT apelou à formação de um Governo de Salvação Pública.
Com o povo da Tunísia, contra o imperialismo
A IVa. Internacional considera que é responsabili-dade do movimento operário internacional defender a revolução que começou na Tunísia, tomando uma posição clara contra qualquer ingerência estrangeira na vida do povo tunisiano. Não é por acaso que a agência Standard and Poors (agência de notação de risco) ameaça baixar a nota da Tunísia: segundo ela, “a instabilidade política atual poderá afetar a economia e provocar uma deterioração nas finanças
públicas”. A ameaça é feita por que os imperialismos, especialmente o francês e o estadunidense, querem que o regime atual prossiga a mesma política antes executada por Ben Ali.
Eles querem derrotar a revolução na Tunísia, do mesmo modo que querem, sob o efeito da crise, esmagar todas as conquistas dos trabalhadores. Para isso, querem utilizar a “dívida” de 18 mil bilhões de dólares criada por Ben Ali, sob instigação do FMI. Esta dívida não é dos tunisianos, mas sim de Ben Ali. Anulação da dívida!
Os trabalhadores de todo o mundo estão ao lado do povo tunisiano, porque têm os mesmos inimigos.
A revolução que começou na Tunísia é um ponto de apoio para os povos do mundo inteiro, porque ela foi um golpe aplicado aos imperialismos, ao FMI e à União Européia, porque ela foi um golpe no capitalismo agonizante que empurra os povos para a barbárie. Ela é um ponto de apoio para os povos do Oriente Médio e da África ameaçados pela guerra e pela desagregação das nações – como na Costa do Marfim, no Sudão, no Líbano e noutros países – em benefício exclusivo do imperialismo e das multinacionais que pilham esses países.
Mas é, igualmente, um ponto de apoio para todos os povos da Ásia, confrontados às mesmas ameaças de desagregação, à guerra, como é o caso do Afeganistão, e, particularmente é um ponto de apoio para o país mais ameaçado, o Paquistão, submetido à mesma lógica destruidora.
É um ponto de apoio para os povos e trabalhadores da América Latina, confrontados – na sua luta pela soberania nacional – aos mesmos inimigos que o povo tunisiano: o imperialismo e as instituições ao seu serviço (FMI, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio), e os tratados de livre- comércio com os EUA e a União Européia.
É um ponto de apoio para o combate legítimo do povo da Palestina pelos seus direitos nacionais, esmagados pela existência do Estado sionista que se apoia na colaboração dos regimes ditos “irmãos”. Foi um dirigente israelita, Silvan Shalom, que expressou isso cruamente. Comentando a fuga de Ben Ali, ele disse: “A queda do regime tunisiano é um precedente que poderá repetir-se noutros países, abalando a estabilidade de nosso sistema”. De acordo com a imprensa israelense, ele afirmou também “que Israel e a maior parte dos regimes árabes têm interesses comuns (...). Um sistema democrático, no mundo árabe, significaria que ele seria governado por uma opinião pública em geral oposta a Israel”.
A revolução que começou na Tunísia, e que se ergue contra o governo francês e outros governos da União Européia, é um ponto de apoio para os povos europeus, que em nome da crise, da dívida e da “redução dos déficits públicos”, estão submetidos a uma ofensiva sem precedentes de destruição dos
seus direitos e garantias, em todos os países da Europa.
Para os trabalhadores da Grécia, da Irlanda, da França, de Portugal e da Espanha, que, nos últimos meses, viveram intensas mobilizações, a revolução na Tunísia é um fantástico encorajamento para ser prosseguida e aprofundada a sua resistência face ao capital, o mesmo capital que super-explora os trabalhadores tunisianos, a partir das relocalizações que destruíram centenas de milhares de empregos na Europa. Os trabalhadores da Europa têm os mesmos interesses que os trabalhadores tunisianos.
Por fim, é um ponto de apoio e de encorajamento para a juventude e a classe operária dos EUA que não cessam de se opor tanto à guerra do Iraque como à do Afeganistão, e que procuram, apesar dos obstáculos e das dificuldades, impor o direito a uma verdadeira Segurança Social e a defesa de todos os direitos da sua juventude e classe operária.
Governos, temei a revolta dos povos!
Algumas semanas antes de a revolução começar na Tunísia, realizou-se em Argel, por iniciativa do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AcIT), uma Conferência Mundial Contra a Guerra e a Exploração, co-organizada pelo Partido dos Trabalhadores da Argélia e pela Central sindical UGTA (União Geral dos Trabalhadores da Argélia). A declaração adotada nessa Conferência, afirma: “Apesar dos terríveis sofrimentos, em todo o mundo ergue-se a resistência dos povos, da juventude e dos trabalhadores que procuram reapropriar-se das suas organizações para lutar, resistir e reconquistar os direitos perdidos. (...)Retomamos, aqui, a palavra de ordem, lançada em 4 de Janeiro de 1991, em Barcelona: «Governos responsáveis pela guerra e pela miséria, temei a revolta dos povos. Abaixo a guerra! Abaixo a exploração!».”
Sim, os “governos responsáveis pela guerra e pela miséria” têm temor da revolta dos povos, porque é isso, exatamente, que acaba de confirmar o povo da Tunísia, ao erguer-se com as instâncias sindicais da UGTT e ao constituir os comitês de defesa da revolução.
A 4ª Internacional considera que a melhor saudação que o movimento operário internacional pode enviar ao combate do povo tunisiano é afirmar, claramente: “Governos da França e dos EUA, FMI, União Européia: tirem as patas da Tunísia! Cabe ao povo tunisiano, e somente a ele, decidir sobre o seu futuro”.
A juventude, os trabalhadores e a população da Tunísia demonstram que eles, tal como a juventude, os trabalhadores e os povos do mundo inteiro, têm a capacidade, por si próprios, de abrirem uma saída positiva à humanidade, confrontada à barbárie,
provocada em todo o planeta, pela sobrevivência do regime capitalista.
Para fazer a barbárie recuar, o único caminho é a mobilização unida do povo em defesa dos seus direitos e de sua soberania através da luta de classes, ou seja, pelo combate dos trabalhadores e da população trabalhadora contra os capitalistas, o imperialismo e os seus agentes. Isto exige que as organizações construídas pelos trabalhadores, em primeiro lugar as suas organizações sindicais, sejam livres e independentes, que elas recusem a se amarrar às exigências do capital. É necessário que possa expressar-se, com força, o que existe no movimento operário de todos os países: a resistência à aplicação – em nome da “crise” – da política de associar as organizações sindicais à aplicação das diretrizes do Banco Mundial, do FMI, da União Européia e da burguesia.
A subordinação das organizações sindicais às contra-reformas dirigidas contra os trabalhadores e os povos leva a um beco sem saída. Pelo contrário, é o combate unido dos trabalhadores e dos povos com as suas organizações – como demonstra a revolução que começou na Tunísia – que pode afirmar a soberania popular e a soberania nacional. É deste modo que os trabalhadores e os povos, com suas organizações, farão recuar a marcha à barbárie, à guerra e à desagregação das nações.
Terminar com a barbárie, é terminar com o sistema capitalista que é a fonte de todos os males da humanidade. É abrir a via ao socialismo.
Este é o combate dos trabalhadores e dos povos, com as suas organizações, em todos os continentes e em todos os países, pela soberania popular e nacional, para fazer recuar a barbárie.
A 4ª. Internacional apóia e sustenta todos os passos em frente nessa via, tal como qualquer passo visando a constituição de partidos que se situem neste terreno.
A revolução que começou na Tunísia continuará a fazer tremer as grandes potências, porque ela coloca em causa a sua dominação.
Viva a juventude, os trabalhadores e o povo da Tunísia!
Viva a revolução tunisiana que começou!
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